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O Instituto Itaú Cultural abriu em São Paulo a exposição “Terra e Mar à Vista”, resultado de projeto especial que reúne 11 artistas, entre os quais o mineiro Marco Túlio Resende, pintor e professor da Escola Guignard. Contando com o patrocínio do Instituto Itaú, a primeira etapa do programa, em janeiro, compreendeu uma viagem do grupo à Serra do Mar. Ali, os artistas conheceram a Estrada Velha de Santos, antigo Caminho do Mar, também chamado de Calçada de Lorena nos primórdio do Brasil e complexo industrial de Cubatão, uma das regiões mais poluídas do País.

 

Os escultores Artur Lescher e Anarrê Smith, os desenhistas Alexandre Nóbrega e Maria Teresa Louro, o Fotógrafo Nelson Kon e os pintores Dudi Maia Rosa, Fábio Cardoso d Almeida, José Spaniol e Marco Giannoti, todos de São Paulo, o desenhista Alexandre Nóbrega, de Recife, o fotógrafo Luiz Braga, de Belém do Pará, e Marco Túlio Resende, sob a coordenação do curador Agnaldo Farias apresentam, agora, o resultado da viagem ao Caminho do Mar, revelando diferentes visões e abordagens.

 

O quinto centenário do achamento do Brasil pelos portugueses suscita essa retomada ou reconstituição de itinerários, e foi este, exatamente, o sentimento do pintor mineiro ao conceituar sua proposta de trabalho. Marco Túlio Resende lembrou-se das expressões latinas “terra incógnita” e “finis terrae” escritas em antiqüíssimos documentos cartográficos, indicando nos primeiros mapas do Brasil, territórios ainda desconhecidos e inexplorados como o que iria palmilhar, ao descer a Serra do Mar entre as lembranças das peripécias de jesuítas, donatários e índios aguerridos e o impacto da poluição em que se chafurda miseravelmente a zona de Cubatão.

 

O artista entra em confronto direto com as contradições do País, escancaradas naquela viagem breve. De um lado a calçada por sobre a trilha quinhentista que galga a muralha da Serra do Mar foi a primeira porta do Brasil. Deu passagem à civilização euro-cristã recém-desembarcada rumo aos sertões para além do horizonte alado. Abriu caminho para o ouro, atrás do Paraíba e da Mantiqueira, para as Minas além do som Minas Gerais (Carlos Drumond de Andrade). De outra parte, o inferno poluído de Cubatão, que ali vomita fogo e fumaça, é cloaca e emblema dessa civilização que se chama Brasil. Legiões de miseráveis se abrigam em barracos na ravina, ao largo dos monumentais tanques cilíndricos e das chaminés desesperadas. Junto ao velho Caminho do Mar, gigantescos tubulões de uma antiga usina hidrelétrica geometrizam a paisagem. Natureza e construção, vida e caos.

 

Em três telas grandes dimensões, Marco Túlio Resende demarca um território de questionamento essencialmente plástico, em que suas emoções diante dos desafios se expressam através de texturas e veladuras, formas rarefeitas e signos raros pontuando a pura matéria pictórica. O tríptico se projeta no imenso livro pousado sobre uma mesa. Na capa pesada, evocação de livros imemoriais, as palavras Finis Terra.

 

O livro é feito de páginas de tela, nas quais o pintor-viajante narra o périplo com depuração e sutileza. Não se trata do registro óbvio ou mesmo referencial, mas de uma sucessão fascinante de imagens em que se vê, o pintor monta um diário e nele imprime sua linguagem ágrafa, sua escrita de manchas e aguadas, e nos transmite a inquietude dramática daqueles cenários devastados e de uma história de fim de mundos.

 

Marco Túlio Resende encontra a grande pintura no Caminho do Mar. Esta é a sua sesmaria na “terra brasiliae”, no “finis terrae” ignoto a ser desbravado. É a sua lavoura, sua mineração. E é bom ver que, entre tantos desastres, a civilização do Brasil continua a gerar artistas sensíveis e atentos às tragédias de que somos feitos, plantando no carrascal a semente da cultura que sobrevive e vinga. 

 

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